quarta-feira, 14 de agosto de 2013

O noivado do sepulcro*** Soares de Passos


O NOIVADO DO SEPULCRO

BALADA

Vai alta a lua! na mansão da morte
Já meia-noite com vagar soou;
Que paz tranquila; dos vaivéns da sorte
Só tem descanso quem ali baixou.

Que paz tranquila!... mas eis longe, ao longe
Funérea campa com fragor rangeu;
Branco fantasma semelhante a um monge,
D'entre os sepulcros a cabeça ergueu.

Ergueu-se, ergueu-se!... na amplidão celeste
Campeia a lua com sinistra luz;
O vento geme no feral cipreste,
O mocho pia na marmórea cruz.

Ergueu-se, ergueu-se!... com sombrio espanto
Olhou em roda... não achou ninguém...
Por entre as campas, arrastando o manto,
Com lentos passos caminhou além.

Chegando perto duma cruz alçada,
Que entre ciprestes alvejava ao fim,
Parou, sentou-se e com a voz magoada
Os ecos tristes acordou assim:

«Mulher formosa, que adorei na vida,
«E que na tumba não cessei d'amar,
«Por que atraiçoas, desleal, mentida,
«O amor eterno que te ouvi jurar?

«Amor! engano que na campa finda,
«Que a morte despe da ilusão falaz:
«Quem d'entre os vivos se lembrara ainda
«Do pobre morto que na terra jaz?

«Abandonado neste chão repousa
«Há já três dias, e não vens aqui...
«Ai, quão pesada me tem sido a lousa
«Sobre este peito que bateu por ti!

«Ai, quão pesada me tem sido!» e em meio,
A fronte exausta lhe pendeu na mão,
E entre soluços arrancou do seio
Fundo suspiro de cruel paixão.

«Talvez que rindo dos protestos nossos,
«Gozes com outro d'infernal prazer;
«E o olvido cobrirá meus ossos
«Na fria terra sem vingança ter!

– «Oh nunca, nunca!» de saudade infinda
Responde um eco suspirando além...
– «Oh nunca, nunca!» repetiu ainda
Formosa virgem que em seus braços tem.

Cobrem-lhe as formas divinas, airosas,
Longas roupagens de nevada cor;
Singela c'roa de virgínias rosas
Lhe cerca a fronte dum mortal palor.

«Não, não perdeste meu amor jurado:
«Vês este peito? reina a morte aqui...
«É já sem forças, ai de mim, gelado,
«Mas inda pulsa com amor por ti.

«Feliz que pude acompanhar-te ao fundo
«Da sepultura, sucumbindo à dor:
«Deixei a vida... que importava o mundo,
«O mundo em trevas sem a luz do amor?

«Saudosa ao longe vês no céu a lua?
– «Oh vejo sim... recordação fatal!
– «Foi à luz dela que jurei ser tua
«Durante a vida, e na mansão final.

«Oh vem! se nunca te cingi ao peito,
«Hoje o sepulcro nos reúne enfim...
«Quero o repouso de teu frio leito,
«Quero-te unido para sempre a mim!»

E ao som dos pios do cantor funéreo,
E à luz da lua de sinistro alvor,
Junto ao cruzeiro, sepulcral mistério
Foi celebrada, d'infeliz amor.

Quando risonho despontava o dia,
Já desse drama nada havia então,
Mais que uma tumba funeral vazia,
Quebrada a lousa por ignota mão.

Porém mais tarde, quando foi volvido
Das sepulturas o gelado pó,
Dois esqueletos, um ao outro unido,
Foram achados num sepulcro só.


Análise de o noivado do sepulcro:

Notas particulares:

O poema é construído por dezenove versos decassílabos no formato A,B,A,B, basicamente conta a historia de um amor que conseguiu ultrapassar todas as barreiras da vida e da morte, fala sobre um amor platônico que venceu a morte e fez um casal se unir pelos laços da eternidade.

Amor e morte, noite e dia, claro e escuro, triste e bonito; são temas frequentes neste poema. O ambiente fantasmagórico, sombrio, mórbido, e cheio de pessimismo comportam os leitores a vida romântica melodramática, a fuga do real, o desejo pelo desconhecido, a presença do sobrenatural, a dor e a agonia.
 Soares de Passos em sua obra publicada no ano de 1856 com o titulo “Poesias” nos deu a oportunidade de entrar no mais profundo mundo do irreal, da busca pelo amor idealizado que não pode se concretizar. A novidade neste poema é o fato de o casal acabar junto, ou seja, no final o amor se concretiza apesar de toda a morbidez e dor no decorrer do poema. Sendo assim ele se diferencia dos poemas do mal do século já que sempre o amor é visto como algo inalcançável e quase sempre a mulher ou o homem amado morre ao fim da historia impossibilitando assim a concretização do amor.

Análise detalhada:

 Vai alta a lua! na mansão da morte
Já meia-noite com vagar soou;
Que paz tranquila; dos vaivéns da sorte
Só tem descanso quem ali baixou.

Que paz tranquila!... mas eis longe, ao longe
Funérea campa com fragor rangeu;
Branco fantasma semelhante a um monge,
D'entre os sepulcros a cabeça ergueu


 Estrofe 1: Com serenidade o personagem descreve o cenário do cemitério, a paz depois da morte nos sepulcros o sono eterno.

 Estrofe 2: O personagem agora aparece como fantasma dentre os sepulcros no cemitério, ele ergue-se como se levantasse do seu túmulo.

Ergueu-se, ergueu-se!... na amplidão celeste
Campeia a lua com sinistra luz;
O vento geme no feral cipreste,
O mocho pia na marmórea cruz.

Ergueu-se, ergueu-se!... com sombrio espanto
Olhou em roda... não achou ninguém...
Por entre as campas, arrastando o manto,
Com lentos passos caminhou além.

Estrofe 3: Nesta estrofe Soares de Passos descreve a aparência do fantasma, como ele era bonito e branco, como sua luz resplandecia chegando a comparar sua luz com a da lua.

“Campeia a lua com sinistra luz” Campeia (ofusca, brilha, se sobressai) a sua luz sinistra da morte ofusca o brilho da lua.

“O mocho pia na marmórea cruz” o homem morto ao vê à cruz em seu tumulo reclama as dores da vida. Na terceira estrofe nós podemos analisar uma contradição bem típica dos poetas românticos " campeia a lua com sinistra luz". A importância do significado da noite no pensamento romântico é tremenda. Em a oposição as luzes do iluminismo o romantismo faz questão de colocar a noite, o obscuro, o irracional como princípios da sua filosofia.

Estrofe 4: o Fantasma agora anda entre as sepulturas, com lentos passos ele caminha procurando algo, procurando alguém, mais nada encontra não vê ninguém.

Da 5 ao 9 estrofe o poeta descreve o encontro do personagem com o tumulo de sua amada, ele encontra sua catatumba e sofre por pensar que ela teria sido infiel ao seu amor, reclama por ela não ela já tinha esquecido o amor que lhe jurara.
                                                                                                                     
Aqui se pode interpretar que o fantasma achava que sua amada não lhe amava pois não lhe visitara como afirma no verso a seguir:
 “«Abandonado neste chão repousa
«Há já três dias, e não vens aqui...
«Ai, quão pesada me tem sido a lousa
«Sobre este peito que bateu por ti!”

Esquecesse porem que ela esta morta, sendo assim reclama seu amor como que almejando vê-la novamente, desejando ouvi-la.

Aqui na décima estrofe o personagem acredita que ela esta sendo infiel já que não lhe responde, ele diz que ela deve está com outro:
“Talvez que rindo dos protestos nossos,
«Gozes com outro d'infernal prazer;
«E o olvido cobrirá meus ossos
            «Na fria terra sem vingança ter”

Nos seguintes versos a mulher amada responde jurando o amor que ainda tem em seu peito, ela diz que o ama e que mesmo depois da morte mesmo estando fria sem vida ela ainda esta envolta pela luz do amor.
O casal se uniu em esplendorosa paixão declarando um ao outro os sentimentos e a infinita emoção.
" Deixei a vida, que importava o mundo, o mundo em trevas sem a luz do amor"

Esta frase nos remete mais uma vez ao amor ultrarromântico, platônico, irreal, infinito em sua forma pura. Nos versos a seguir o casal concretiza esse amor e os esqueletos de seus corpos apodrecidos são encontrados em um sepulcro só, o que nos dá ideia da união eterna pós morte.



Quando risonho despontava o dia,
Já desse drama nada havia então,
Mais que uma tumba funeral vazia,
Quebrada a lousa por ignota mão.

Porém mais tarde, quando foi volvido
Das sepulturas o gelado pó,
Dois esqueletos, um ao outro unido,
Foram achados num sepulcro só.

A força do amor vence a morte.

Lola Gillian***


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