terça-feira, 27 de agosto de 2013

Platônico***


As idéias são seres superiores,
Almas recônditas de sensitivas
Cheias de intimidades fugitivas,
De crepúsculos, melindres e pudores.

Por onde andares e por onde fores,
Cuidado com essas flores pensativas,
Que tem pólen, perfumes, órgãos e cores 
E sofrem mais que as outras cousas vivas.

Colhe-as na solidão... São obras-primas
Que vieram de outros tempos e outros climas
Para os jardins de tua alma que transponho,

Para com ela teceres, na subida,

A coroa votiva do teu sonho
E a legenda imperial da tua vida.


Raúl de Leôni

O soneto aqui nos leva á Platão e as questões do mundo imaginário, a idealização do amor à busca pelo mundo perfeito. O título do soneto já nos remete ao amor perfeito.
1º estrofe: a vida nos remete a açõrd passadas, vivenciadas no momento e ações planejadas para o futuro, têm segredos, guardamos no peito desejos, medos, remorso, sonhos, culpa, entre outros sentimentos intensos e pessoais. 

" Almas recônditas de sensitivas-
cheias de intimidades fugitivas"

Recôndita ( algo que fica guardado no seu intimo em sua alma, só seu) A primeira frase nos dá uma ideia de alma gêmea. Reza a lenda que as almas gêmeas são constituídas por fragmentos de nós mesmos, é como se nossa alma se dividisse e se torna outra que também se divide. Desta maneira quando encontramos com nossa alma gêmea é como se nossos segredos mais íntimos nosso eu interior pudesse ser revelado e extremamente unido ao desta pessoa, tornando assim um amor sobrenatural cheio de platonismo.

2º estrofe: estamos aqui revendo tudo que já conhecemos sobre a lei da atração, quando estamos bem a nossa energia é tão superior que todos em nosso redor a percebem, portanto quando você encontra com sua alma gêmea, a luz que o casal emite chega a ser tão forte e tão sublime como o aroma das rosas se espalhando em todo um ambiente em que se encontre um arranjo, todos percebem a sintonia, e os olhares nem sempre trazem alegria, muitos desejam ser iguais o que atrai as energias densas de inveja e cobiça.

3º estrofe: levanta-se outra vez a questão da alma gêmea, o autor ressalta aqui o fato de que a sintonia vem de outras vidas, que as ligações são eternas, são obras primas, algo divino lindo.

4º estrofe: A mudança de vida diante do amor perfeito, sua vida agora passa a pertencer ao outro e o outro a você, tecer, criar, reinventar uma nova historia, agora unida pelos laços eternos do amor ideal, a realização dos sonhos, a felicidade alcançada.

Uma belíssima poesia sobre amor incondicional, repleta de simbolismo e de paixão, o poeta Raúl de Leôni fala com propriedade sobre alma gêmea o amor conjunto e correspondido.

Lola Gillian ***






Outono***


O Outono
Soares de Passos

Eis já do lívido outono
Pesa o manto nas florestas;
Cessaram as brandas festas
De natureza louçã.
Tudo aguarda o frio inverno;
Já não há cantos suaves
Do montanhês e das aves,
Saudando a luz da manhã.

Tudo é triste! os verdes montes
Vão perdendo os seus matizes,
As veigas e os dons felizes,
Tesouro dos seus casais;
Dos crestados arvoredos
A folha seca e mirrada,
Cai ao sopro da rajada,
Que anuncia os vendavais.

Tudo é triste! e o seio triste
Comprime-se a este aspecto;
Não sei que pesar secreto
Nos enluta o coração.
É que nos lembra o passado
Cheio de viço e frescura,
E o presente sem verdura
Como a folhagem do chão.

Lembra-nos cada esperança
Pelo tempo emurchecida,
Mil áureos sonhos da vida
Desfeitos, murchos também;
Lembram-nos crenças fagueiras
Da inocência doutra idade,
Mortas à luz da verdade,
Criadas por nossa mãe.

Lembram-nos doces tesouros
Que tivemos, e não temos;
Os amigos que perdemos,
A alegria que passou;
Lembram-nos dias da infância,
Lembram-nos ternos amores,
Lembram-nos todas as flores
Que o tempo à vida arrancou.

E depois assoma o inverno.
Que lembra o gelo da morte,
Das amarguras da sorte
Última gota fatal...
É por isso que estes dias
Da natureza cadente,
Brilham n'alma tristemente
Como um círio funeral.

Mas ânimo! após a quadra
De nuvens e de tristeza,
Despe o luto a natureza,
Revive cheia de luz:
Após o inverno sombrio
Vem a flórea primavera,
Que novos encantos gera,
Nova alegria produz.

Os arvoredos despidos
Se revestem de folhagem;
Ao sopro da branda aragem
Rebenta no campo a flor:
Tudo ao vê-la se engrinalda,
Tudo se cobre de relva,
E as avezinhas na selva
Lhe cantam hinos d'amor.

Ânimo pois! como à terra,
Também à nua existência
Vem, após a decadência,
Às vezes tempo feliz;
E a vida gelada, estéril,
Que o sopro da morte abala,
Desperta cheia de gala,
Cheia de novo matiz.

Ânimo pois! e se acaso
Nosso destino inclemente,
Em vez de jardim florente,
Nos aponta o mausoléu;
Se a primavera do mundo
Já morreu, já não se alcança,
Tenhamos inda esperança
Na primavera do Céu!



1º estrofe: O verão vai embora dando espaço para o outono, a mudança climática e a estética da natureza  agora se faz presente, as folhas caem o céu fica laranja; disto se trata a primeira estrofe do poema de Soares de Passos “Outono”.

2º estrofe: Queixa-se da mudança já eminente, sente-se triste com a partida do verão.

nas seguintes estrofes entre a 3º e a 5º ele sente uma profunda tristeza; perturbado com as  lembranças que esta estação o atrai, ele sente-se traído já que suas lembranças de infância revelam que sua mãe lhe havia mentido sobre as coisas da vida, as coisas que ele descobriu depois que lhe chegaram os anos.

Na 6º estrofe o personagem fala sobre a lembrança da morte que outono lhe causa, sentir que esta tarde, que já passou seus bons anos.

Nos versos seguintes ele volta com espírito animador para lembrarmos que após o outono e o inverno volta novamente a primavera trazendo as flores do campo e os verdes das arvores para dar brilho novamente ao cenário cinza do inverno. Assim é também na vida, depois da tristeza sempre vem a felicidade, quando a noite esta mais escura é porque logo vira o sol.

“Mas ânimo! após a quadra
De nuvens e de tristeza,
Despe o luto a natureza,
Revive cheia de luz”

Ainda ressalta por fim, que por mais que a morte chegue tirando a sua primavera, você ainda poderá encontrar a felicidade no céu, no outro plano.

“Se a primavera do mundo
Já morreu, já não se alcança,
Tenhamos inda esperança
Na primavera do Céu!”

Lola Gillian ***

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

O noivado do sepulcro*** Soares de Passos


O NOIVADO DO SEPULCRO

BALADA

Vai alta a lua! na mansão da morte
Já meia-noite com vagar soou;
Que paz tranquila; dos vaivéns da sorte
Só tem descanso quem ali baixou.

Que paz tranquila!... mas eis longe, ao longe
Funérea campa com fragor rangeu;
Branco fantasma semelhante a um monge,
D'entre os sepulcros a cabeça ergueu.

Ergueu-se, ergueu-se!... na amplidão celeste
Campeia a lua com sinistra luz;
O vento geme no feral cipreste,
O mocho pia na marmórea cruz.

Ergueu-se, ergueu-se!... com sombrio espanto
Olhou em roda... não achou ninguém...
Por entre as campas, arrastando o manto,
Com lentos passos caminhou além.

Chegando perto duma cruz alçada,
Que entre ciprestes alvejava ao fim,
Parou, sentou-se e com a voz magoada
Os ecos tristes acordou assim:

«Mulher formosa, que adorei na vida,
«E que na tumba não cessei d'amar,
«Por que atraiçoas, desleal, mentida,
«O amor eterno que te ouvi jurar?

«Amor! engano que na campa finda,
«Que a morte despe da ilusão falaz:
«Quem d'entre os vivos se lembrara ainda
«Do pobre morto que na terra jaz?

«Abandonado neste chão repousa
«Há já três dias, e não vens aqui...
«Ai, quão pesada me tem sido a lousa
«Sobre este peito que bateu por ti!

«Ai, quão pesada me tem sido!» e em meio,
A fronte exausta lhe pendeu na mão,
E entre soluços arrancou do seio
Fundo suspiro de cruel paixão.

«Talvez que rindo dos protestos nossos,
«Gozes com outro d'infernal prazer;
«E o olvido cobrirá meus ossos
«Na fria terra sem vingança ter!

– «Oh nunca, nunca!» de saudade infinda
Responde um eco suspirando além...
– «Oh nunca, nunca!» repetiu ainda
Formosa virgem que em seus braços tem.

Cobrem-lhe as formas divinas, airosas,
Longas roupagens de nevada cor;
Singela c'roa de virgínias rosas
Lhe cerca a fronte dum mortal palor.

«Não, não perdeste meu amor jurado:
«Vês este peito? reina a morte aqui...
«É já sem forças, ai de mim, gelado,
«Mas inda pulsa com amor por ti.

«Feliz que pude acompanhar-te ao fundo
«Da sepultura, sucumbindo à dor:
«Deixei a vida... que importava o mundo,
«O mundo em trevas sem a luz do amor?

«Saudosa ao longe vês no céu a lua?
– «Oh vejo sim... recordação fatal!
– «Foi à luz dela que jurei ser tua
«Durante a vida, e na mansão final.

«Oh vem! se nunca te cingi ao peito,
«Hoje o sepulcro nos reúne enfim...
«Quero o repouso de teu frio leito,
«Quero-te unido para sempre a mim!»

E ao som dos pios do cantor funéreo,
E à luz da lua de sinistro alvor,
Junto ao cruzeiro, sepulcral mistério
Foi celebrada, d'infeliz amor.

Quando risonho despontava o dia,
Já desse drama nada havia então,
Mais que uma tumba funeral vazia,
Quebrada a lousa por ignota mão.

Porém mais tarde, quando foi volvido
Das sepulturas o gelado pó,
Dois esqueletos, um ao outro unido,
Foram achados num sepulcro só.


Análise de o noivado do sepulcro:

Notas particulares:

O poema é construído por dezenove versos decassílabos no formato A,B,A,B, basicamente conta a historia de um amor que conseguiu ultrapassar todas as barreiras da vida e da morte, fala sobre um amor platônico que venceu a morte e fez um casal se unir pelos laços da eternidade.

Amor e morte, noite e dia, claro e escuro, triste e bonito; são temas frequentes neste poema. O ambiente fantasmagórico, sombrio, mórbido, e cheio de pessimismo comportam os leitores a vida romântica melodramática, a fuga do real, o desejo pelo desconhecido, a presença do sobrenatural, a dor e a agonia.
 Soares de Passos em sua obra publicada no ano de 1856 com o titulo “Poesias” nos deu a oportunidade de entrar no mais profundo mundo do irreal, da busca pelo amor idealizado que não pode se concretizar. A novidade neste poema é o fato de o casal acabar junto, ou seja, no final o amor se concretiza apesar de toda a morbidez e dor no decorrer do poema. Sendo assim ele se diferencia dos poemas do mal do século já que sempre o amor é visto como algo inalcançável e quase sempre a mulher ou o homem amado morre ao fim da historia impossibilitando assim a concretização do amor.

Análise detalhada:

 Vai alta a lua! na mansão da morte
Já meia-noite com vagar soou;
Que paz tranquila; dos vaivéns da sorte
Só tem descanso quem ali baixou.

Que paz tranquila!... mas eis longe, ao longe
Funérea campa com fragor rangeu;
Branco fantasma semelhante a um monge,
D'entre os sepulcros a cabeça ergueu


 Estrofe 1: Com serenidade o personagem descreve o cenário do cemitério, a paz depois da morte nos sepulcros o sono eterno.

 Estrofe 2: O personagem agora aparece como fantasma dentre os sepulcros no cemitério, ele ergue-se como se levantasse do seu túmulo.

Ergueu-se, ergueu-se!... na amplidão celeste
Campeia a lua com sinistra luz;
O vento geme no feral cipreste,
O mocho pia na marmórea cruz.

Ergueu-se, ergueu-se!... com sombrio espanto
Olhou em roda... não achou ninguém...
Por entre as campas, arrastando o manto,
Com lentos passos caminhou além.

Estrofe 3: Nesta estrofe Soares de Passos descreve a aparência do fantasma, como ele era bonito e branco, como sua luz resplandecia chegando a comparar sua luz com a da lua.

“Campeia a lua com sinistra luz” Campeia (ofusca, brilha, se sobressai) a sua luz sinistra da morte ofusca o brilho da lua.

“O mocho pia na marmórea cruz” o homem morto ao vê à cruz em seu tumulo reclama as dores da vida. Na terceira estrofe nós podemos analisar uma contradição bem típica dos poetas românticos " campeia a lua com sinistra luz". A importância do significado da noite no pensamento romântico é tremenda. Em a oposição as luzes do iluminismo o romantismo faz questão de colocar a noite, o obscuro, o irracional como princípios da sua filosofia.

Estrofe 4: o Fantasma agora anda entre as sepulturas, com lentos passos ele caminha procurando algo, procurando alguém, mais nada encontra não vê ninguém.

Da 5 ao 9 estrofe o poeta descreve o encontro do personagem com o tumulo de sua amada, ele encontra sua catatumba e sofre por pensar que ela teria sido infiel ao seu amor, reclama por ela não ela já tinha esquecido o amor que lhe jurara.
                                                                                                                     
Aqui se pode interpretar que o fantasma achava que sua amada não lhe amava pois não lhe visitara como afirma no verso a seguir:
 “«Abandonado neste chão repousa
«Há já três dias, e não vens aqui...
«Ai, quão pesada me tem sido a lousa
«Sobre este peito que bateu por ti!”

Esquecesse porem que ela esta morta, sendo assim reclama seu amor como que almejando vê-la novamente, desejando ouvi-la.

Aqui na décima estrofe o personagem acredita que ela esta sendo infiel já que não lhe responde, ele diz que ela deve está com outro:
“Talvez que rindo dos protestos nossos,
«Gozes com outro d'infernal prazer;
«E o olvido cobrirá meus ossos
            «Na fria terra sem vingança ter”

Nos seguintes versos a mulher amada responde jurando o amor que ainda tem em seu peito, ela diz que o ama e que mesmo depois da morte mesmo estando fria sem vida ela ainda esta envolta pela luz do amor.
O casal se uniu em esplendorosa paixão declarando um ao outro os sentimentos e a infinita emoção.
" Deixei a vida, que importava o mundo, o mundo em trevas sem a luz do amor"

Esta frase nos remete mais uma vez ao amor ultrarromântico, platônico, irreal, infinito em sua forma pura. Nos versos a seguir o casal concretiza esse amor e os esqueletos de seus corpos apodrecidos são encontrados em um sepulcro só, o que nos dá ideia da união eterna pós morte.



Quando risonho despontava o dia,
Já desse drama nada havia então,
Mais que uma tumba funeral vazia,
Quebrada a lousa por ignota mão.

Porém mais tarde, quando foi volvido
Das sepulturas o gelado pó,
Dois esqueletos, um ao outro unido,
Foram achados num sepulcro só.

A força do amor vence a morte.

Lola Gillian***